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Veronica Machado

Casarão Cultural de Arrozal

Atualizado: 16 de nov. de 2021

Em Arrozal, na Praça São João, está localizado o Casarão cujo nome foi dado após as filmagens da novela “O Casarão”, de 1976, produzida pela rede Globo, porém a história deste prédio é bem mais antiga. O ano de 1836 é considerado um marco para a construção deste sobrado, pois esta data foi encontrada no madeiramento do telhado.


Fachadas principal e lateral do Casarão, fotografia Veronica C. Machado, 2014, anterior ao projeto de restauração.


Em 2014 ao visitar Arrozal, pela primeira vez, para conhecer o lugar onde foi construído o Casarão pensei que estava "lascada", pois dificilmente encontraria alguma informação sobre a construção datada de 1836. O distrito é bem pequeno e lembra aquelas cidades bem caricatas que vemos nos filmes de ficção onde avistamos a praça, coreto, igreja, polícia e o sobrado. Decerto, um olhar estrangeiro que chega no local, entre o fascínio pelo desconhecido e a curiosidade investigativa sobre as gentes dessa história.


Praça São João com o Casarão. No pavimento térreo portas ao invés de janelas e no segundo pavimento as portas tem bandeiras, fotografia de 1952, acervo do Arquivo Municipal de Piraí.


No mural da Igreja de São João Batista do Arrozal consta data de construção de 12/04/1839, conforme a Lei Provincial nº141. Em 1863, a paróquia é elevada a categoria de Paróquia Imperial pelo seu destaque administrativo. Em 1881 é aprovada na Câmara a reforma da igreja na qual foram retirados dois altares laterais. Os livros de registros de batizado e de óbitos dos habitantes de Arrozal encontram-se na Cúria Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro.


Ao entrar no Casarão fui recebida por 178 anos de histórias, em um lugar onde aconteceram diferentes atividades, sendo a princípio moradia da família Souza Breves, ao longo do século XIX, depois o espaço foi vendido à Irmandade do Santíssimo Sacramento que permaneceu no local até 1980. Após essa data, o casarão foi doado à Mitra Diocesana de Barra de Piraí e Volta Redonda, instituição que promoveu algumas reformas no prédio para abrigar, a princípio, atividades da igreja. Na década de 1990, a irmã Elizabeth Alves assume a direção do Casarão e promove diversas atividades socioculturais para os moradores da região. Duas décadas depois, no ano de 2011, o sobrado recebe o nome Casarão Cultural, tornando-se oficialmente um ponto de cultura para a comunidade de Arrozal.


De 1990 para cá, o Casarão Cultural passou a oferecer oficinas de artesanato, a Pastoral da Criança, Cozinha Escola, Farmácia Caseira, Rádio Comunitária e o Museu do Negro, com um acervo constituído basicamente de informações históricas sobre a região, o período da escravidão, as fazendas de café e arroz no período imperial e sobre a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Arrozal.

Fotografias do interior do casarão em 2014, no canto superior, da esquerda para direita: no térreo, vista da escada de acesso ao primeiro pavimento e ao lado vista da loja de produtos artesanais feito por moradores e remédios caseiros. No primeiro pavimento abriga o Museu do Negro que conta a história da cidade e da cultura afro-brasileira.


A história do casarão de Arrozal está estritamente relacionada com a história da família Souza Breves que teve grande prestígio durante todo século XIX nesta região. Antônio de Souza Breves (1720, Ilha de São Jorge, Açores – Portugal – 31/12/1814, em São João Marcos, Rio de Janeiro) foi casado com Maria de Jesus Fernandes, natural de Santa Luiza da Ilha Terceira, Açores – Portugal. António de Souza Breves chega ao Rio de Janeiro no final do século XVIII. Ao receber do vice-rei Luis de Vasconcelos e Souza a sesmaria de Campo Alegre, localizada em São João Marcos (atual Rio Claro) na data 16/04/1784, ele se estabelece nessa região com sua esposa e seus dois filhos nascidos na Ilha Terceira, Ana Margarida e José de Souza Breves.


Este filho, provavelmente foi o primogênito, pois o seu nome está associado a muitas terras na região de São João Marcos, conforme o fundo “Sesmarias do Estado do Rio de Janeiro” do Arquivo Nacional. Já os seus irmãos Manoel, Domingos Francisco e Thomé de Souza Breves nasceram no Brasil, especificamente em São João Marcos de acordo as informações encontradas em seus respectivos inventários.


Assim, o levantamento de imagens e documentação manuscrita sobre o sobrado de Arrozal teve início por meio da pesquisa nos acervos do Arquivo Municipal de Piraí, no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) e no Arquivo Nacional. Nestes, consultei fotografias, cartas de sesmarias, inventários de membros dessa família, escrituras e declarações de terras de Arrozal e Piraí e as Atas da Câmara de Piraí.


Nos acervos de iconografia e cartografia do século XIX da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro também não consta documentação referente ao sobrado ou Casarão de Arrozal. Todas as imagens, abaixo, estão nos fundos da família Breves no Arquivo Municipal de Piraí e no acervo da Mitra Diocesana de Barra do Piraí e Volta Redonda.

Por volta de 1960, na vista lateral do Casarão, identificamos as bandeiras localizadas na frente de cada porta do segundo pavimento devido às projeções das sombras.

Por volta da década de 1990 - Nesta imagem, percebemos que o sobrado foi reformado, foram feitas mudanças nas portas dos dois pavimentos, sendo que no térreo as portas foram transformadas em janelas e foram adicionadas bandeiras de madeira e vidro às janelas. Já no pavimento superior as bandeiras das portas foram retiradas. O modelo de janela proposto (estilo guilhotina) nesta reforma, no térreo, provavelmente fez uma alusão a um modelo bastante utilizado nas casas de fazenda da família Breves do século XIX.

Após a reforma do Casarão, no ano de 2003, o chafariz foi retirado da praça e colocado na frente da fachada principal do Casarão. Segundo as Atas da Câmara de Piraí, no ano de 1840, "o comendador José Joaquim de Souza Breves conseguiu aprovar Câmara a construção de um chafariz e encanamento de água. O comendador conhecendo a necessidade dessa obra e sabendo que o cofre da Câmara Municipal não podia arcar com aquela despesa, patrocinou integralmente a construção do chafariz que está localizado na praça".

Planta do Casarão de Arrozal, pavimento térreo, Arquivo da Mitra Diocesana de Barra do Piraí e Volta Redonda, anterior às duas reformas que ocorreram, sendo a primeira na década de 1990 e a segunda em 2002. Esta planta não possui informações sobre o seu desenho, não possui data nem um carimbo de registro em algum órgão.


Acima, os espaços grifados foram modificados após a primeira reforma no Casarão. Nota-se que houve um espaço demolido e algumas áreas foram construídas posteriormente, tais como os banheiros, a passagem da entrada principal para o salão onde funciona a loja de artesanato e o espaço atrás da escada onde funciona a Rádio Comunitária.


Já no levantamento das informações e dimensões do Casarão para o projeto de restauração, baixo, é possível perceber transformações no interior do prédio.

Devido à ausência de imagens do sobrado no século XIX (a fotografia mais antiga que encontrei é de 1952) e outras plantas de arquitetura que pudessem nos oferecer mais detalhes sobre a construção do Casarão, outras tipologias de documentação podem oferecer indícios tais como inventários, declarações de terras, registros de imóveis e outros que pudessem nos oferecer mais informações para a restauração do sobrado de Arrozal.


Desta forma, nos inventários de Manoel de Souza Breves e do seu sobrinho José Joaquim de Souza Breves guardados no Arquivo Municipal de Piraí identifiquei que o sobrado foi construído por Manoel de Souza Breves por volta do ano de 1836 para servir de moradia na parte superior e comércio no térreo, um tipo de construção bastante comum nesse período.


Após a morte de Manoel em 1846, o sobrado é administrado por sua esposa, Possidônia Maria do Rosário até a data de 1856, momento no qual o sobrado é adquirido por José Joaquim de Souza Breves. No Inventário de bens de Manoel, aberto ano de 1846, o sobrado é avaliado: Bens na Freguesia -“Um dito (lance de casas de sobrado) com escada que serve de entrada no valor de 750$000 (setecentos e cinquenta mil réis)”.


Apesar desta descrição não oferecer referências consistentes sobre o sobrado, há uma declaração escrita por Possidônia Maria do Rosário, esposa de Manoel, datada de 1855, no fundo Registros de Terras Paroquiais onde lê-se:


[...] Digo eu Possidônia Maria do Rosário abaixo assinado que sou senhora e possuidora de uma porção de terras, citas na Freguesia de São João batista do Arrozal, as quais contem de terreno 20 a 25 alqueires de plantação de milho, tendo por divisa um lado com a estrada geral que vai a um arraial, virando por outro lado, seguindo a mesma estrada, e terras do excelentíssimo Barão do Piraí até encontrar o ribeirão do Caximbó, em seguimento por outro lado com terras pertencentes ao Patrimônio de São João Batista do Arrozal e daí por outro lado seguindo as terras do mesmo Patrimônio e uma travessa que vai ter à Matriz a encontrar outra vez a estrada geral da serrinha. Existindo na frente deste terreno uma casa de sobrado coberto de telha, caiada de branco e seis janelas e seis portas na frente, duas janelas no oitão da direita, uma janela e uma porta no oitão da esquerda e seis portas e três janelas nos fundos e mais algumas benfeitorias cobertas de palha cujas porções de terras as houve por meação por parte de meu finado marido Manoel de Souza Breves. E por ser verdade, e em cumprimento da lei de 18 de setembro de 1850, em observação do regulamento da mesma lei, capítulo 9º e artigo 91, tenho feito a minha declaração segundo a minha consciência a qual rogo ao Sr. Vigário Antônio Tolentino legal haja de registrar no competente livro. (Grifo nosso)


Possidônia refere-se no trecho, consiste na Lei de Terras regulamentada pelo decreto n.1.318 de 30/01/1854. Este regulamento procurou dar conta das inúmeras situações relacionadas à ocupação das terras. Os chamados Registros de Terras Paroquiais tornaram-se obrigatórios para todos os possuidores de terras, a partir desta data, qualquer que seja o título de sua propriedade ou possessão. Os vigários de cada freguesia eram os encarregados de receber as declarações, cada uma deveria conter o nome do possuidor, designação da freguesia em que estão situadas, sua extensão e seus limites. Somente dez anos depois será possível encontrar o registro de imóveis pela lei do Registro Geral de Imóveis, n.1237 de 24/09/1864, regulamentado pelo decreto n.482 de 14/11/1864, sendo o 1º Ofício instalado pelo decreto n.3453 de 26/04/1865.


Através da descrição de Possidônia, em meados do século XIX, abaixo, foi possível desenhar uma simulação digital do sobrado naquela época:

No ano seguinte à declaração de terra de Possidônia foi atribuída a posse do sobrado ao José Joaquim de Souza Breves por meio de atas da Câmara de Piraí na qual ele foi membro ativo entre os anos de 1849 a 1868. Já em 1857, como informa o fiscal do Arrozal na 3ª sessão da Câmara de Piraí: “[...] acham-se muitos prédios em construção o Sr. Comendador José de Souza Breves aumenta sua habitação dando -lhe uma maior extensa vista e por isso mais beleza para a rua Direita”, atual Rua Theodora Barbosa Ribeiro. Com as obras prontas, o andar térreo serviu para comércio, reuniões para eleições de eleitores e Juízes de Paz (1863-1867) e para as orações e missas na freguesia em três momentos: no desabamento de parte da igreja matriz, depois da demolição da igreja e durante a construção da nova matriz.


No relatório do fiscal de Arrozal datado de 26 de abril de 1873 relata ao Presidente da Câmara sobre as obras na freguesia “Desentulho de um bueiro próximo ao antigo sobrado de Dona Possidônia, hoje propriedade do Sr. Comendador José de Souza Breves”.


O casarão em sua parte superior servia ao comendador José de Souza Breves quando de sua vinda à freguesia, pois a sua residência era na fazenda do Pinheiro, mas também servia aos parentes e amigos que precisassem pernoitar na freguesia.

Residência do José de Souza Breves. Esta construção data de aproximadamente o ano de 1857, mesmo ano em que o sobrado de Arrozal foi reformado, com isso podemos supor que as técnicas de construção e os materiais utilizados sejam os mesmos ou similares, detalhe para as janelas de madeira almofadadas e para a cor verde ou cinza.


Com a morte do Comendador em 1879, o sobrado foi avaliado no volume 3º do seu Inventário folha 364 e verso, diz o termo:

- Bens na Freguesia do Arrozal “Casa de sobrado com gradil de ferro em terreno de São João por 4:200$000 (quatro contos e duzentos mil réis)”e só a mobília do andar superior foi avaliada e constava de “três marquesas, dezoito cadeiras de palhinha, dois sofás, quatro aparadores, duas mesas redondas, uma mesa de jantar, um guarda louça, um lustre na sala, seis quadros, um quadro grande com moldura dourada, três mangas de vidro, quatro arandelas com mangas e uma redoma por 420$000 (quatrocentos e vinte mil réis).


O principal uso do sobrado pela família Breves até o momento de sua venda para Irmandade parece ter sido o de estadia de passagem e de entreposto comercial de mercadorias com destino ao Rio de Janeiro. Desta forma, alguns anos após a morte de José de Souza Breves, o sobrado foi vendido à Irmandade do Santíssimo Sacramento na data de 05 de outubro de 1892. Nesta escritura encontramos a seguinte descrição do sobrado:


Finalmente ao outorgado, isto é, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, vendem um sobrado com gradil de ferro, fazendo frente para o largo e para a Rua da Palha, com lojas por baixo, envidraçado, coberto de telha, armação para negócio nas lojas e duas casas em seguida da Rua da palha, até o teatro, divisando no largo com a casa de José Astucio (Grifo nosso).


A partir desse momento as reuniões do diretório da Irmandade passaram a ser realizadas no sobrado no qual guardava também todos os pertences da mesma. Com a dissolução da Irmandade na década de 1970, o sobrado foi a doado à Mitra Diocesana de Barra do Piraí e Volta Redonda por escritura pública de 22/08/1980.


Durante a ocupação do sobrado pela Irmandade, o Casarão foi também sede da Banda de Música Santa Cecília, em meados do século XX, onde aconteciam bailes e quermesses para recolhimento de recursos para os ensaios da Banda. Em Arrozal há uma tradição musical bastante forte, desde o tempo dos Souza Breves na região às apresentações de Jongo e da Folia de Reis na Praça São João.

Banda de Música Santa Cecília – À esquerda, a banda está no interior do casarão e à direita, a banda desfila pela lateral do Casarão, 1948.


Após a doação do Casarão à Mitra, o bispo Dom Waldyr Calheiros Novaes promoveu uma reforma no prédio com apoio da Mitra no intuito de abrigar os encontros da igreja. Foi nessa reforma que as portas foram transformadas em janelas com o objetivo do espaço térreo ser uma sala para reuniões do Clero e foram criados também os banheiros.


Em 1991, através do Projeto de Lei nº 1521, de autoria do Vereador José Juarez Reis Franco, o sobrado foi tombado pelo município. No projeto de lei consta o sobrado e mais alguns objetos são citados, como uma custódia de prata com pedras de brilhantes, uma vara de prata de uso do provedor, cálices de prata, coroas, campainha e vários quadros importados pintados a óleo vindos de Portugal.


Dois anos depois, o bispo convida a irmã Elizabeth Alves para assumir a coordenação das atividades do Casarão e promover diversas atividades sociais para os moradores da região. Contudo, ao assumir o Casarão, a irmã encontra o prédio em péssimas condições e inicia uma luta para arrecadação de verba para a restauração do imóvel. Mesmo em condições não favoráveis, ela funda a Pastoral da Criança e outras oficinas de capacitação voltadas para o mercado de trabalho para os moradores da região, principalmente voltadas para as mulheres.


Por fim, em 2002 a Irmã consegue verba da Light e da prefeitura para algumas reformas, dentre elas a construção do espaço da rádio comunitária. Em 2011, a irmã consegue o ponto de cultura que passa a ter o nome do Casarão Cultural - Memórias do Vale do Café e Tambores.


Pesquisa e texto de Veronica Castanheira Machado



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